Com os pés em Paris, de olho no mundo e sempre em boa companhia: a sua.
A liberdade da solidão
Caso você tenha clicado nessa crônica em busca de uma ode ao individualismo, ou se quer mais um ensaio para falar da diferença entre solidão e solitude, errou de caminho, amigo. Errou de caminho, amiga. Já tem alguns anos que deixei de tentar fazer filosofia de botequim. No sentido. . .
Suruba
Em breve celebrarei 7 anos do meu exílio voluntário aqui em Paris. Em 2013 comecei a ficar de mal com a Pátria Amada, por inúmeros motivos. Dentre os quais, um movimento crescente de desqualificação da democracia. O outro, um movimento de banalização da corrupção, como se o molho socialista. . .
Outros Carnavais
Por Ana Paula Cardoso A sensação térmica em Paris neste domingo é de 6 graus negativos. O dia está lindo e mereceu uma corridinha às margens do Sena. Restou isso. A gente não pode sentar-se à mesa de um café, nem pegar um cineminha e nem encarar uma pista. . .
Pessoas não são verbos
O que é um verbo? Segundo a definição do Bescherelle, o livro de referência da conjugação dos verbos em francês, são palavras usadas para identificar uma ação, um movimento ou um estado de alguém ou alguma coisa. Em francês há três grupos distintos de verbos. Ah, parece fácil então.. . .
O cheiro do croissant e o bicho-carpinteiro
Por Ana Paula Cardoso Final de janeiro de 2021. Aqui estou eu novamente encarando uma jornada acadêmica num país que não é meu. Minha vó diria que tenho bicho-carpinteiro. O ditado popular ilustra de forma bonitinha essa mania de estarmos sempre em reconstrução. Eu pesquisei o termo. Embora haja. . .
Carta ao Brasil
Meu querido Brasil. Como vai você? Faz tempo que não nos vemos, mas ainda me lembro com deslumbramento do nosso último encontro. Tudo me foi dado com amor, tudo desfrutado com intensidade e prazer. Essa mesma intensidade tão peculiar sua, e que está no DNA do seu povo. Curioso como. . .
O brasileiro e a neve. O francês e a vacina
A neve nos tira do sério Eram 9h de uma manhã de sábado quando enviei mensagem perguntando a uma amiga brasileira onde seria a aula que fazemos juntas. A resposta veio com outra pergunta: “Onde está minha neve?”. Um dia antes, outra amiga, antiga moradora da cidade e hoje. . .
Casei com Paris
Eu fazia a cobertura do terrível atentado de 13 de novembro de 2015. A pauta era aquela mesmice sensacionalista de sempre, imposta pelos criativos (contém ironia) editores dos veículos de imprensa: encontrar brasileiros para contarem seus dramas. Entrevistei uma carioca como eu. Ela estava em um bar na mesma. . .
Canção do exílio
Na vida de expatriado, imigrante, refugiado, enfim, de um ser humano que por um motivo ou outro desterra-se de sua origem, há um fenômeno bastante comum: o dia no qual se chora ao ouvir uma canção de seu país. Eu sei, uma música arrancar lágrimas é um fenômeno corriqueiro,. . .
Toque de recolher
Um amigo faz uma postagem angustiada nas redes sociais após saber sobre o reconfinamento na França (e em outros países da Europa). Ao tentar ensaiar responder-lhe, saiu esta crônica. Previ o que aconteceria. Pode perguntar aos amigos mais íntimos. Quando « desconfinamos » em maio, cantei a seguinte pedra: « essa francesada. . .
Desordem
« Ah, se já perdemos a noção da hora »…assim começa a canção “Eu te amo”, se não me engano, composta com letra de Chico Buarque e música da Tom Jobim. Tenho uma mente musical. Penso em músicas em situações diversas. Sejam as trágicas como as cômicas. Seja em momentos dramáticos. . .
Equação
A vida é uma nave sem controle, para desespero dos cartesianos. Descobri isso quando ainda estava na escola e uma professora de matemática esforçava-se para fazer um bando de adolescentes entender como chegar ao valor de « x ». Para decifrar a equação, era preciso tirar de lugar aquela letrinha infame no. . .
Soneto de Domingo em Paris
Ha seis anos aqui cheguei Com duas malas e uma mochila. E para trás eu nunca olhei Se não a gente vacila Sou imigrante com alma de artista A exercer o ofício de jornalista Meu coração é vermelho salgueirense E, quem diria, essa carioca, acabou parisiense. Tentando manter a. . .
Pandemia de vazio
Mexeu com todo mundo. Quem confinou bem ou desconfinou mal. Quem perdeu um amor para o vírus ou viu o ser amado se recuperar. Quem se separou ou se reconciliou. Quem produziu mais ou procrastinou a vida. Quem entendeu tudo ou não compreendeu nada. Quem lavou as mãos à. . .
O amor na casa de Alá
Era um domingo fresco de verão, meu quarto mês como moradora de Paris. O namorado da ocasião me diz entusiasmado: “vou te levar a um lugar que vais amar”. Eu tenho muita simpatia com o verbo amar em francês. Apesar de uma dificuldade imensa em pronunciá-lo (juro: há quem. . .
Mulher livre
Era nossa primeira conversa ao telefone:– Alô? Oi? você ouviu o que perguntei? – Desculpa, me dispersei. Pode repetir? – É por causa do meu sotaque, né? – Não mesmo. É que você fala muito, como todas as mulheres, e eu tenho dificuldade em me concentrar no que dizem.. . .
Jantar com rainha
Jornalista é a profissão a qual qualquer um sente-se qualificado só pelo fato de ter smartphone e conta em rede social. É meio fora de moda atualmente acreditar que estudar, praticar e atualizar-se são pré-requisitos básicos para exercer o ofício. Conjecturava sobre o tema ao lembrar de uma dessas. . .
O tal novo normal
Tenho um jogo de toalhas comprado há 20 anos. Eu era casada, com um homem que me considerava perdulária por comprar meus jogos de cama, mesa e banho em lojas consideradas caras. Por ele, Casa e Vídeo (existe ainda essa loja?) estaria muito bom para adquirir objetos de casa.. . .
Dona Mãe e Madame Convenção
— Lá vem você – diz Dona Mãe visivelmente irritada. — Até parece que não sabia da minha visita – disse Madame Convenção já tirando os sapatos e lavando as mãos, antes de adentrar na casa. — Saber eu sabia, só ninguém me perguntou se eu queria recebê-la… —. . .
Um beijo, um abraço, um aperto de mão
Preciso falar sobre o contato físico. Mas antes, devo esclarecer: o título da crônica de hoje é o mesmo de uma peça de teatro, escrita por Naum Alves de Souza (1942-2016) e levada aos palcos cariocas, em 1986, com Marieta Severo e Pedro Paulo Rangel no elenco. O dado. . .
“Doidivanias”
Inventei a palavra do título de hoje, inspirada pela leitura do livro “Le Vocabulaire des Philosophes- La philosophie contemporaine (XXème siècle)”. Como já contei algumas vezes por aqui, sentei-me por alguns anos em salas de aula, quando isso era tangível. Cursei a faculdade de filosofia com especialização em sociologia,. . .
Sobre as pessoas
As pessoas são um tipo de “entidade”. Muito mais que um substantivo feminino no plural precedido por artigo definido. Funciona mais ou menos assim: a usamos quando queremos culpar os outros por algo sobre o qual nós não compactuamos, mas sem nos darmos conta que somos « as pessoas » do. . .
O crime do feijão
Tudo estava calmo no confinamento. Viveres suficientes para a manutenção do corpo obeso. Papel higiênico suficiente para uma única bunda. Nenhuma crise, talvez pelo fato de já estar acostumada a trabalhar de casa. Mas eis que no terceiro dia de clausura, alguém posta no grupo de WhatsApp, em plena. . .
Faz doce
Uma das expressões que mais gosto na língua francesa é quando se refere ao tempo ensolarado. Quando está sol, além dos filhos da pátria não dizem, como nós, que o tempo está bom. Eles falam: « Il fait beau! ». Numa tradução literal, « il fait beau » quer dizer « faz bonito ». . . .
Simplicidade
A simplicidade é a sofisticação máxima. Essa frase não é minha, é do gênio Leonardo Da Vinci e virou meu lema (ou « devise » em francês). Para quem não sabe bem o significado de lema ou « devise », trata-se de uma frase ou palavras de ordem com o objetivo de resumir. . .
Nada será como antes
Nostalgia, descobri recentemente, é uma palavra inventada no século XVII por um médico suíço. Ele usou uma mistura de termos gregos, que significam “retorno” e “sofrimento”, para classificar nostalgia como o nome do mal de sentir dor por felizes experiências de um passado que não mais existe. Ora, escrevi. . .
Clarear
Vim de uma cidade onde reclamar do calor é um dos esportes preferidos da população. Basta os termômetros ultrapassarem os 40 graus Celsius, coisa corriqueira na terra de Zeca Pagodinho, Tom Jobim e Fernanda Montenegro, para começar o festival das lamentações. Claro, quem aguenta um calor desses? Carioca aguenta. E o. . .
As pequenas saudades
Faltavam dois dias para eu pegar meu avião com destino ao lugar onde viria para passar só um ano e acabei fincando minha bandeira. Era uma quente noite de começo de outono no Rio de Janeiro. Havia feito minha última visita à casa da minha mãe, última como filha. . .
A fábula da galinha
Conheço pessoas com muita dificuldade de se adaptar e basta ouvir a palavra mudança para sentirem um desconforto de doer até o fio do cabelo. Já outras conseguem, ao menos aparentemente, transformarem-se na mudança. São como camaleões a trocar de cor de acordo com as circunstâncias. Essas observações nunca me. . .
Look do dia
Nunca fui fã de moda. Não sei se pelo fato de ser do Rio de Janeiro, onde moda é rabo de cavalo, sandálias Havaianas e canga amarrada na cintura, com um vestidinho na bolsa de palha para emendar em algum evento pós-praia. Ou um top de neoprene para segurar. . .
A velha e a nova Paris
Já era moradora de Paris, havia algum tempo, quando fui dispensada por um grande jornal brasileiro para o qual eu escrevia diariamente sobre Paris em um de seus blogs. No e-mail enviado pela editora, ela me agradecia pelos serviços prestados e justificava o fim deste trabalho da seguinte forma:. . .
Caramel
Uma vez vi uma cena marcante em um filme argentino, do qual, infelizmente, não me recordo o nome. Um tio ensinava ao sobrinho, adolescente, como conquistar a menina pela qual o garoto se apaixonara. O homem maduro parecia transportar-se delicadamente ao momento de sua própria vida no passado. Aquele. . .
Gorda
Um dos episódios mais marcantes que eu passei no Rio de Janeiro foi quando uma vez peguei um ônibus para ir ao trabalho. O destino final da linha era a rodoviária e estávamos numa quarta-feia, véspera de um « feriadão ». Pois bem, o trânsito estava pesado, muito engarrafamento e o clima. . .
Quem mora longe
Domingo é dia de fazer a feira. Mercado de rua cheio de cheiros, cores e sons. Provas de frutas ali, um quitute acolá, enquanto o carrinho vai se enchendo de maçãs e aspargos, vegetais e flores da semana o pensamento vagueia. É tão legal estar em Paris num domingo. . .
Notre “drame” de Paris
Segundo o dicionário Larousse, um dos mais conceituados da língua francesa, tragédia é um evento funesto, terrível. Mesmo aqueles em quem não foi despertada nenhuma empatia por ver destruída uma parte considerável da história – não somente de um país, mas da humanidade -, não podem negar : o. . .
A ponte NY – Paris
Em abril de 2013, parti de férias à cidade que nunca dorme. Lá pisando, fui gradativamente desfrutando de sensações, como qualquer viajante um pouco atento. Nova York não me assustou e nem se assanhou pra mim. Apenas foi ela mesma e respeitou quem sou. No que não pôde me. . .
Perspectiva
Por definição, perspectiva seria a maneira com a qual se analisa determinada situação. Costumamos traduzir também como ponto de vista. Olhamos para uma situação bem específica e damos nossa própria representação. A nossa visão de mundo passaria então por nosso DNA e também pelas múltiplas identidades sociais que desempenhamos.. . .
O sentido da vida
Estava eu parada na Place de la République, acompanhando uma manifestação democrática e tranquila contra um determinado candidato a presidente da República Federativa do Brasil, quando aproxima-se de mim uma moça com uma bandeira da extinta União Soviética enrolada no pescoço. Ao mesmo tempo, outra aparece e me oferece. . .
Ele chegou
Confesso, nem estava mais me lembrando da existência dele, tão enebriada estava com o sol brilhante e as flores insistentes de um verão prolongado em Paris. A estação mais quente foi bem generosa neste 2018 e permaneceu um bom tempo. A extensão do calor trouxe ainda mais charme à. . .
Carta ao filho que não veio
E aí, filhão? Esperei tanto, mas tanto mesmo, a melhor hora que acabou não dando para você vir. Mas não se chateia não, daqui deste mundo não perdeste muita coisa… Ontem mesmo saiu uma pesquisa sobre as próximas eleições. Nem valia a pena você estar aqui pra ver isso…Ainda. . .
Meu pequeno Louvre
Por que as lágrimas não apagam fogo? Choraram milhares. Talvez tenha chegado a milhões. A cena da noite no último domingo na cidade do Rio de Janeiro chegou a Paris das mais variadas formas. E ainda estava impregnada em sua mente. Os irmãos, companheiros das visitas frequentes durante a. . .
Tempo
Muito já se falou sobre essa unidade regida pelo deus Chronos. Não sei se pela leitura tardia de um dos maiores best-sellers da humanidade, “Uma breve história do tempo”, do célebre físico Stephen Hawking, a passagem das horas como medida da transformação da vida me tem feito companhia nas. . .
O resgate
Por vezes me ponho a pensar se todo mundo reflete sobre a cidade na qual mora. Alguém se dá conta deste fato aparentemente corriqueiro em algum momento? Sou afeita a essas digressões. Como vim de um lugar onde há paisagem de cartão-postal, eu não só morava, mas deslumbrava-me e. . .
Exagerados
Logo na fase inicial da minha vida em Paris, resolvi oferecer um bacalhau com natas na república ( aqui chamada colocation ) onde morei por um mês. Éramos um total de cinco pessoas para o jantar. Boa brasileira que sou, preparei logo duas travessas. O amigo francês com quem morava. . .
Coisas universais
Criada no Engenho Novo, um subúrbio colado ao Méier no coração da Zona Norte carioca, em tempos pré-globalização, pude perceber claramente e desde cedo o quanto o deslocamento geográfico é capaz de alterar a visão de mundo de uma criatura. Minha mãe, sábia de uma forma quase instintiva, pois. . .
Com o céu azul pegando fogo
O céu parisiense irradia um azul celeste a ponto de ofuscar os olhos. Pego os óculos de sol e parto para desfrutar dos trinta graus Celsius em Paris. A sensação térmica é o equivalente a 40 graus no Rio de Janeiro. Digo em termos de beirar o insuportável. Porque a. . .
A pátria e o amor
Eram mais de cem mil pessoas no Champs de Mars neste dia 14 de julho de 2018. Pensava não ter mais idade para este tipo de programa: grandes aglomerações em shows ou eventos gratuitos em meio à multidão. Depois pensei: quem já aguentou Rock in Rio no lamaçal em. . .
A vida não tem juiz de vídeo
A Copa do Mundo é um negócio contagiante. Mesmo o mais desligado dos desligados em relação ao que rola nos gramados acaba não resistindo ao clima de festa, brincadeira e, arrisco dizer, até de um certo patriotismo. E nem refiro-me só ao Brasil, país no qual os grandes jogadores. . .
Que p… é essa, Brasil?
Fim de jogo na Rússia. Sentada ao balcão de um bar, banco alto e olhos ainda vidrados na TV, sigo tentando entender os lances repetidos nas imagens após o término da partida. Ainda distraída, sinto uma mãozinha leve na minha cintura. Olho para baixo e vejo uma menininha de. . .
Mais perto dos deuses
O cenário é completamente diferente daquele deixado para trás. Rumo à inacreditável Índia, um grupo de estudantes de uma célebre universidade parisiense, a maioria franceses e com média de idade de 22 anos, parte num domingo ensolarado pelo aeroporto Charles de Gaulle. Na bagagem, roupas leves, um roteiro bem. . .
Jovem Margarida
Conversando outro dia com um amigo morador de Lisboa, comentávamos o quanto gostamos de algumas marcas características das mudanças de estação na Europa. Como não temos isso de forma evidente nos trópicos, acabamos por nos regalar com os pequenos sinais da primavera estabelecendo-se. Aqui em Paris , por exemplo,. . .
Bonjour Paris
Querida Paris Acabo de acordar com o pessoal lá do Rio querendo saber como estou. Aí fiquei sabendo que foste ferida outra vez com esse infortúnio humano chamado violência. É lamentável alguém tão bonita como você ser atacada na sua essência. Porque foram atingir, mais uma vez, a sua. . .
Viver fora é complicado
Duas décadas atrás eu tinha um “namorado firme” (há 20 anos, relacionamento sério chamava-se namoro firme). Após 2 anos juntos, fui pedida em casamento. Ele não se ajoelhou com um anel de brilhantes e nem perguntou ‘quer casar comigo?’ ao pé da Torre Eiffel numa primavera parisiense. Tudo aconteceu. . .
O jornalismo não morre jamais
Notícias falsas (fake news). Desqualificação das médias. Empresas jornalísticas demitindo jornalistas experientes. Repórteres se arriscando em cobrir conflitos ou sendo ameaçados por poderes paralelos. Redes sociais fazendo as honras de fontes de notícias. Essa são apenas algumas etiquetas do cenário no qual o jornalismo tenta equilibrar-se para manter aquela. . .
Eu não pertenço a Paris
Como de costume, fui marcada recentemente em um texto sobre “o alto preço de viver longe de casa” (sic). Os amigos, sempre bem intencionados, lembram dos expatriados quando encontram todo tipo de escrita a respeito de morar fora. Até costumo apreciá-las, desde que não me venham com generalizações. Fale. . .
Pedaços de ‘nozes’
De qual massa nós somos feitos? Somos um resultado predestinado do determinismo genético ou uma configuração construída pelo ambiente no qual nascemos, crescemos ou vivemos? E as pessoas ao nosso redor? Quanto elas têm de influência sobre nossa composição de ser vivente, num planeta tão diverso, mas ao mesmo. . .
E nao é que a neve existe?
“Seca-neve” foi o apelido carinhoso ganho por mim no último Natal. Com um pedaço da família na Polônia, parte dos entes queridos teve a boa ideia de passar a data no frio e fomos para a casa do primo expatriado na Cracóvia. Como só pude ir em cima da. . .
Movidos a meteorologia
No Rio de Janeiro funciona assim: choveu, ruas desertas. Compromissos cancelados. Festas vazias. Prejuízo nos bares. Dia cinza não combina com o azul do Oceano Atlântico banhando o entorno da Cidade Maravilhosa e muito menos com o espelho d’água da Baía da Guanabara, totalmente opaco sem o brilho do. . .
Quando Paris fica vazio
Enquanto as notícias de Paris mundo afora têm sido sobre as cheias do rio Sena, passeio sob o céu cinza vendo as inundações e, não sei por que, só penso em Samuel Becket. O dramaturgo era irlandês, mas radicou-se na França e morreu em Paris no ano de 1989.. . .
‘Gentes’
Tenho um primo casado com uma polonesa. Ela aprende português e, certa feita, ao hesitarmos a entrar num elevador, ela nos tranquilizou gentilmente “Podem entrar todos. Cabem 5 ‘gentes'”. A parte brasileira da família caiu na gargalhada e ela, meio rindo e meio desanimada perguntava “Ai, o que falei. . .
O que Simone diria?
Como se diz em “malandrês” carioca, Madame Deneuve vacilou legal. A eterna “belle de jour” não assinou sozinha o manifesto contra o radicalismo dos movimentos contra o assédio sexual a mulheres, mas ela era o nome de maior exponencial. Sem ela, provavelmente o texto publicado no jornal Le Monde. . .
Intimidade
Reza a lenda que durante uma entrevista, a repórter perguntou ao então presidente Jânio Quadros se poderia lhe fazer uma pergunta íntima. Ele, com seu raciocínio rápido e jeito excêntrico, teria respondido “Minha cara, intimidade só leva a duas coisas: filhos e problemas. Como não pretendo ter nenhum dos. . .
Feliz além do ano que vem
A dualidade fim e começo compõe a carga genética do dia 31 de dezembro no mundo ocidental. Somos seres sociais e sociáveis, portanto, poucos são aqueles que realmente conseguem passar pela data imunes a qualquer ritual. Claro, existem os discursos. Todos nós já ouvimos coisas como: “É um dia. . .
Crônica rápida no metrô
A senhora míope é irreverente e está maquiada. A armação que ela usa é quadrada de um lado e redonda do outro, e eu desejo aqueles óculos. Um moço de barba me faz pensar nos homens que ainda não se depilam. Suspiro por dentro : o mundo ainda tem. . .
Sorria e acene
Eu não acredito em reencarnação pura e simples. Não acho que morramos e vamos para um lugar tipo uma sala de espera de repartição pública, onde São Pedro, ou o Capeta, vá nos chamar por uma senha qualquer e desenvolver conosco um planejamento estratégico para a próxima vida. Mas. . .
Um tigre no coração de Paris
Era sexta-feira de novembro. Um tigre escapa da jaula do circo e sai andando pelas ruas de Paris. Não, não foi ficção. O fato real logo inflamou as redes sociais. Alguns conhecidos viram o animal e contaram a sensação de incredulidade que a cena lhes acometeu. Mas enquanto passeava. . .
Falar por falar
Chama-se “Quatro Paredes” um poema musicado em forma de sambinha, cantado pela Marisa Monte. Um dos versos fala de como seria muito bom entendermos o vocabulário uns dos outros através de palavras que não existem no dicionário. A canção me foi apresentada por uma amiga muito querida – e. . .
Todos os caminhos levam ao outono
A crônica quase não saiu. Culpa do amanhecer deslumbrante me chamando pela janela. Paris tem destas coisas. A gente está numa manhã de sábado, cinzenta e gelada, fazendo uma prova de 4 horas no auditório da faculdade e, à tarde, já se está festejando o amor e a amizade. . .
Tempo condicional
Um dia peguei um avião de Paris pra Lisboa. Por conta dos fusos horários distintos, e horários de verão desacertados, cheguei à capital portuguesa na mesma hora na qual parti da Cidade Luz. Uma sensação deliciosa – e muito louca -de ter voltado no tempo arrebatou-me. Um pensamento nada. . .
A amiga que mora em Paris
Ter um amigo morando em Paris deve ser bom. Nunca tive. Tive melhor: uma amiga que não morava aqui, mas tinha um estúdio na cidade, que ela emprestava aos amigos, e o qual tive o privilégio de desfrutar, sem nada pagar, por algumas vezes. Hoje, faço eu o papel. . .
Bom humor, mau humor
No filme “Um lugar na plateia” (Fauteuils d’orchestre, da diretora Danièle Thompson veja aqui o trailler ) a personagem interpretada por Valérie Lemercier é uma atriz estressada com a vida. A alegoria do parisiense típico encarna não apenas nela, mas em diversos personagens moldados no estereótipo do ser humano. . .
Fazendo amizade fácil
Amizade não se faz, se reconhece. Não lembro bem onde li essa frase. Pode ter sido tanto no parachoque de um caminhão quanto em algum livro de um célebre autor. Ou, quem sabe, trata-se do refrão de alguma muísca? Caso eu tivesse o alcance necessário de leitura desta crônica,. . .
A faxina sem água – ou a vida sem sabão de coco
Para uma brasileiro, acredito que existam poucas coisas tão incômodas ao emigrar para Europa quanto a questão de limpeza de casa. E nem estou falando do custo de faxineiras ou empregadas domésticas e nem do esforço do “faça você mesmo”, que muitos privilegiados no Brasil passam a encarar na. . .
Volta às aulas
Voltei a estudar. Não um curso informal, ou algo como uma língua ou piano (aliás, um sonho). Voltei à universidade. E não para fazer mestrado ou doutorado ou PhD, talvez mais condizentes com minha faixa etária. Voltei à sala de aula para uma licenciatura. A última vivência de caloura. . .
Francês e inglês
Por circunstâncias da vida profissional e pessoal, tenho falado muito inglês ultimamente. E tem sido muito bom perceber como, no caso do inglês, é praticamente como andar de bicicleta: dou umas cambaleadas no início, depois vou em frente na maior segurança. E isso já é uma façanha e tanto,. . .
Mãos
Poucas coisas me comovem tanto quando afago nas mãos. Nem precisa ser nas minhas, basta eu ver duas pessoas tocando-se nas extremidade e já me derreto. Por vezes, enquanto as mãos se enlaçam, os olhares andam perdidos ou os rostos andam desviados a pontos cardinais distintos. Mas as mãos. . .
La Rentrée: quando entrar setembro em Paris
Foi no primeiro dia de setembro, da remota década de 90 do século passado, a primeira vez que pisei em Paris. Um sonho aparentemente distante para a garota proletária, de 20 e poucos anos e criada no subúrbio, tornava-se realidade graças a uma coisa chamada trabalho. Era uma época. . .
A Paris de cada um
Sentada na escadaria de acesso ao Panthéon, à espera de amigos brasileiros que, sem dados no celular, estão atrasados pois devem estar perdidos por Paris. Munida de um livro, sento-me no degrau mais alto para me recostar na coluna dórica. Abro o pequeno dicionário de citações de célebres franceses,. . .
Adaptação
Uma das mais frequentes perguntas direcionadas aos expatriados mundo afora é a clássica “E como está sendo (ou foi) a adaptação?”. Costumava colocar esta questão no conjunto das meras figuras de linguagem ilustrativas. Tipo fazer menção à meteorologia ao encontrar vizinhos no elevador ou perguntar se está tudo bem. . .
Alma Extraviada
– Eu não gosto de café, nem de samba e muito menos de futebol. Foi um engano eu ter nascido brasileira, acho… Disse-me a amiga carioca, moradora de Paris há alguns bons anos. Fiquei imaginando se isso é possível. Isso de nascer no lugar errado. Entre os espíritas, a. . .
A carta, a dedicatória e o bonde
Segundo dia do mês de agosto. Um mês no qual ninguém – me refiro aos moradores daqui – gosta de estar em Paris. Calor, tudo fechado (inclusive padaria e correio), 70% de todos parisienses de férias… Parto rumo a mais um dia de trabalho, mas antes verifico a caixa. . .
Todas as línguas do mundo
Chego em Toulouse sem saber de nada. A vida corrida nem sempre deixa tempo para a pesquisa sobre o destino de um fim de semana prolongado. O jeito é viajar no escuro. Mas pela capital da região francesa de L’Occitanie eu já nutria uma simpatia. Professora de francês no. . .
Mancha entre nós
Entro na lanchonete vegetariana da famosa Portobello Road. São 10h da manhã numa Londres cinzenta, onde cai uma garoa fininha. Pergunto se tem a pizza vegetariana, uma delícia a qual tenho vontade de apresentar ao companheiro de viagem. Era minha ideia para o café da manhã. – I’m afraid. . .
A profissional do sexo e o professor
-Vous m’avez fait rougir… (você me fez enrubescer – numa tradução literal – ou “você me deixou deixou vermelho”) – foi a frase do dia, para entrar em mais uma das muitas histórias desta minha vida parisiense. Mas eu não tive culpa. Como muitos dos meus leitores sabem, escrevo. . .
Somos todos turistas
Além de ter palmeiras onde canta o sabiá, minha terra tem um monumento muito visitado. E para chegar até o Cristo Redentor, uma das maneiras mais práticas é pegar o trenzinho que sobe até o topo do Corcovado, através de um trilho que atravessa a floresta. Em um dos. . .
Odores, clichês e os donos de Paris
A essa altura, você já tomou conhecimento do menino cearense que viralizou na internet com um vídeo sobre o verão em Paris e o mau cheiro por aqui. Foram 35, número exato, os amigos que me transmitiam o vídeo, ou me marcaram nas redes sociais, perguntando se era assim. . .
Correndo atrás da cutia
Campo de Santana é o nome de um parque, no coração do Centro do Rio de Janeiro. Fica bem na Praça da República, cercado pelo Hospital Sousa Aguiar, pela casa do Marechal Deodoro da Fonseca e pela estação de trem principal da cidade, a Central do Brasil. Trata-se de. . .
E se nada der certo…
Estava eu ‘folheando’ as páginas da web brasileira e não consegui ficar incólume à notícia de uma escola de classe média-alta ter promovido o dia do “E se nada der certo?”. Os alunos foram vestidos de empregadas domésticas, lixeiros, porteiros e atendentes de lanchonete, entre outras profissões. E o. . .
O céu e o piano
Entro no táxi meio estabanada, com quatro bolsas, cheias do espólio de uma amiga em mudança para Portugal. O céu em Paris está azul como eu nunca vi por aqui. Nenhuma nuvem sobre nós nesta sexta-feira espremida entre um feriado e um fim de semana. Todos os parisienses estão. . .
A primavera na janela
Embora a primavera tenha andado um pouco chuvosa, na capital francesa sempre percebe-se a chegada da estação. O primeiro sinal são as árvores, cujas folhas verdes vivas vão vestindo-as da nudez invernal. O segundo sinal são umas florezinhas danadas de graciosas, que parecem ser objeto de decoração obrigatórios das. . .
Posse. Ou: “Eu já sabia, Macron”!
Domingo passado, tivemos o segundo turno das eleições francesas. O eleito foi Emmanuel Macron, que venceu Marine Le Pen, considerada um ‘perigo’ extremista para o país. A posse é hoje (14/05). As TVs já transmitem desde os primeiros minutos desta manhã de domingo cinzenta. (ok, manhã de domingo cinzenta. . .
O ar de Paris
Uma das primeiras coisas que me chamou atenção quando estive em Paris pela primeira vez foi uma latinha, estilo lata de sardinha, escrita “L’air de Paris’ (O ar de Paris) à venda em uma dessas típicas lojas de bugigangas típicas e souvenirs. Era início dos anos 1990, não havia. . .
Madame Eiffel e o voto na França
Acordar em dia de eleição sem poder votar. Eis minha primeira grande dor como expatriada. Não, não posso votar na França. Preciso morar aqui pelo menos por 5 anos até ter o direito de pedir uma cidadania, a qual nem sei se me interessa. Sim, ainda voto no Brasil.. . .